Translate

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Tomar - cidade templária






Fundada em 1160 por Dom Gualdim Pais, Grão-Mestre da Ordem do Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão (vulgo "Ordem do Templo"), a cidade de Tomar foi a sede dos templários portugueses durante cerca de 150 anos, até à sua extinção oficial em 1312 por decreto do papa Clemente V, sob influência do rei francês Filipe O Belo. 

O rei D. Dinis - talvez o melhor, mais completo e mais sábio dos reis portugueses -, ao ter conhecimento do édito papal abre um processo público para julgar os templários portugueses, enquanto nos bastidores prepara um modo de os proteger e evitar a dissolução da Ordem no nosso país. Com base no argumento de que Portugal precisava de um ordem militar forte para combater os muçulmanos nas suas fronteiras, D. Dinis consegue convencer o Vaticano a autorizar a fundação de uma nova ordem religio-militar, oficializada pela bula papal  Ad ea ex-quibus de 1319. Para esta nova ordem, designada por Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo (ou simplesmente "Ordem de Cristo"), D. Dinis transferirá todos os bens da extinta Ordem do Templo, e nela abrigará os seus antigos membros, nos quais se contavam não apenas ex-templários portugueses, mas também estrangeiros, nomeadamente franceses fugidos da perseguição de Filipe O Belo. 

Embora a primeira sede da nova ordem tenha sido na vila de Castro Marim, no Algarve (que, pelo seu posicionamento estratégico próximo dos territórios muçulmanos bem servia o álibi que, em grande medida, legitimou a sua fundação perante o Vaticano), por volta de 1357 a sede é instalada no castelo de Tomar, significando, de certa forma, um "regresso a casa" da Ordem do Templo, agora ressuscitada com o nome de Ordem de Cristo. 

Nas primeiras décadas da nova ordem os grão-mestres eram escolhidos entre os seus membros mais ilustres, sendo o primeiro Gil Martins. A partir de 1417 o grão-mestrado passa para a Casa Real, de onde provirão todos os futuros governadores/administradores da Ordem. O primeiro é precisamente o Infante D. Henrique, designado governador da Ordem de Cristo pelo seu pai, o rei D. João I, sob chancela papal. Quase seria escusado referir a enorme importância desta decisão para o futuro de Portugal, em particular para a gesta dos Descobrimentos, da qual o Infante foi o principal organizador e impulsionador, recorrendo não apenas aos consideráveis bens materiais e financeiros da Ordem para financiar este projeto, mas também ao corpo de conhecimentos náuticos, astronómicos, geográficos, etc., que esta acumulou em centenas de anos de contactos e intercâmbios frutuosos com o Oriente, de comércio e não só, desde a fundação da "Ordem-Mãe" do Templo em Jerusalém, no ano de 1118 d.C. 

Por esta breve resenha história se pode aquilatar a importância e a mística histórica da cidade de Tomar, lugar de pouso, estalagem e trabalho das maiores figuras da nossa história, e onde por certo se tomaram das mais importantes decisões que influíram no futuro de Portugal e do mundo. Por toda a parte abundam os signos e sinais dessa presença, que remete para vários sedimentos de história e de vida, desde os romanos, passando pelos visigodos e os muçulmanos, até ao templarismo português no seus dois "avatares": o de Ordem do Templo, cavalaria temporal e espiritual das Cruzadas, e o da Ordem de Cristo, cavalaria temporal e espiritual das Descobertas.

O espírito particular desta cidade justifica bem que os romanos lhe tenham erguido e dedicado, no cimo do monte onde hoje se ergue o castelo, uma ara votiva ao "genio mvnicipi" (o "espírito do lugar"), que muitos séculos depois os templários de D. Gualdim Pais encontraram e incorporaram na construção daquela que viria a ser a sua sede durante 150 anos, quem sabe se deslumbrados pela beleza e paz daquele lugar. 







*

      

Igreja de Santa Maria do Olival 

        Panteão dos grão-mestres templários e templo de iniciação


Templo gótico de meados do século XIII construído no sítio da antiga igreja templária erguida por D. Gualdim Pais. O Panteão dos Mestres Templários foi sede de nullius diocesis com jurisdição sobre as igrejas dos Descobrimentos. A interessante estrutura espacial de três naves serviu de modelo à igreja de São João Baptista e a outras igrejas do gótico final português. No exterior, destaca-se a magnífica rosácea, a torre de atalaia adaptada a campanário, e a loggia do século XVI; no interior, a lápide de Gualdim Pais, o túmulo de D. Diogo Pinheiro e as imagens Nossa Senhora do Leite e Santas Mães.

Fonte: Site da Câmara Municipal de Tomar (link: http://www.cm-tomar.pt/index.php/pt/que-visitar#igreja-de-santa-maria-do-olival); ver mais informação em desdobrável Percurso Histórico (pdf).



(clique nas fotos para ampliar)

Fachada - De notar a magnífica rosácea, no topo, com 12 "pétalas", possivelmente simbolizando o Zodíaco, ou seja, o Céu, ou o Universo, em toda a sua amplitude cósmica. Abaixo, no frontão sobre o arco da porta, a figura central do signum salomonis, ou seja, o signo de Salomão na forma de um pentagrama, símbolo caro aos templários, precisamente os "cavaleiros do Templo de Salomão". Trata-se naturalmente de uma interpretação possível, porquanto o próprio símbolo de pentagrama (associado ao número 5) pode ter inúmeros significados, como o da perfeição cósmica (pitagóricos) ou do homem (microcosmos), ou até da estrela Sírius que os egípcios associavam à deusa Ísis, e cujo hieróglifo era precisamente a figura de uma estrela de 5 pontas. É curioso o facto da simbologia do "sagrado-feminino" estar bem presente neste templo, seja pelo facto de estar consagrada a Santa Maria do Olival - devemos recordar-nos que no cristianismo, a Nossa Senhora, ou Maria, mãe de Jesus, é a corporização por excelência das virtudes do "sagrado-femínino", como por exemplo a da Graça -, seja por conter no seu interior várias estátuas de figuras femininas com grande significado, como a Nossa Senhora do Leite, Maria Madalena (ou de "Magdala"), e Santa Ana (também conhecida por "Mãe das mães", e cujo nome Hannah em hebraico significa precisamente Graça) supostamente mãe de Maria, e avó de Jesus (embora, sublinhe-se, a estátua da Nª Sª do Leite seja quinhentista). De notar ainda que, em termos iconográficos, Nossa Senhora do Leite tem várias semelhanças com a figura de Ísis amamentando Hórus, relativamente comum no culto de Ísis egípcio e greco-romano (e ser aliás sabida a influência dos mitos e crenças do antigo egipto na iconografia cristã, em que antigos símbolos assumem novas roupagens). Não somenos importância tem o facto da oliveira estar intimamente associada à deusa grega Atena, fazendo desta árvore e dos seus ramos um símbolo por excelência da sabedoria e da luz - recorde-se que era com azeite que os antigos mantinham as lâmpadas acesas. Segundo se crê, esta igreja foi construído sob os terrenos de um antigo olival (daí o nome), o que pode ser indiciado pelo facto de ainda hoje existirem algumas oliveiras nas traseiras do templo.

Traseiras do templo

As tais oliveiras

Nave central

Extraordinário e luminoso altar de forma circular, tendo como figura central Nossa Senhora do Leite. Uma vez mais a simbologia do número 5, presente nas 5 janelas em ameia. 

Idem

Nave central vista a partir do altar


Oficialmente esta estátua representa Maria Madalena (ou de Magdala), e o maior indício a favor desta tese é o objeto que a figura tem aos pés: um boião ou frasco, que imediatamente remete para o episódio evangélico da "Unção da Betânia", no qual uma mulher teria ungido os pés de Jesus com perfume de alabastro - isto de acordo com João, pois em Marcos e Mateus a mulher teria ungido a cabeça, e não os pés (ver Jo 12; Mt 16; Mc 14, 3). A associação deste episódio a Maria Madalena é, no entanto, algo precária, pois Mateus e Marcos referem-se apenas a "uma mulher", enquanto João refere-se de facto a uma Maria, mas parece tratar-se de Maria, irmã de Lázaro (o leproso que Jesus ressuscitou), e não Maria Madalena, a dita prostituta arrependida que Cristo salvou, acolheu e protegeu. A tradição, no entanto, pode ter acabado por associar este episódio a Maria de Madalena. Chamo a atenção também para o posicionamento das mãos da figura, que ao invés de estarem completamente unidas em oração, como é comum ver-se na maioria das estátuas, estão como que entreabertas, configurando o que parece ser uma espécie de fechadura. Diz-se que esta configuração pode ser sinal velado do papel especial que os templários atribuíam a esta mulher enquanto depositária de sabedoria e conhecimentos ocultos. Como se fosse necessário ter a chave certa para lhes aceder.

Santa Ana, "Mãe das Mães", a misteriosa mãe de Maria e avó de Cristo. O tamanho da mão direita, bastante desproporcionada em relação ao resto do corpo, toca os pés de Maria coroada e Jesus menino. Uma verdadeira raridade, em especial se pensarmos que nenhum dos evangelhos canónicos faz qualquer referência a Ana, mãe de Maria. Sublinho: nenhum dos evangelhos canónicos, sendo que as únicas referências à Santa surgem nos evangelhos apócrifos, nomeadamente no proto-evangelho de Tiago. Facto curioso: Ana (Hannah em hebraico), significa precisamente Graça. 



Lápide funerária de D. Gualdim Pais, grão-mestre da Ordem do Templo em Portugal, e fundador da cidade de Tomar (datada de 1195, data da sua morte). Tem um aspeto muito curioso que tem a ver com o modo especial e misterioso como está escrita a palavra "Portugal", aspeto ao qual já voltarei.

De acordo com a informação prestada pela guia durante a visita, esta trata-se da lápide funerária de Gil Martins, o primeiro grão-mestre da Ordem de Cristo, herdeira direta da Ordem do Templo em Portugal. Contudo, a lápide de D. Gil Martins situa-se noutro ponto da igreja, na parede adjacente ao túmulo de D. Diogo Pinheiro (imagem seguinte), enquanto esta lápide funerária pertence muito provavelmente a um outro grão-mestre da Ordem do Templo, um tal de D. Lourenço Martins (cf. site oficial dos monumentos portugueses da Direção Geral do Património Cultural, http://www.monumentos.pt/site/app_pagesuser/sipa.aspx?id=6537)

Túmulo de D. Diogo Pinheiro, 1º bispo do Funchal (séc. XV)

Idem

Cruz "pátea" ou orbicular dos templários, misteriosamente insculpida numa laje do chão

Misteriosa figura em forma de taça insculpida numa outra laje do chão. Um "graal"? Inscrições deste tipo não são meras assinaturas de canteiros, aliás muito comuns nas construções góticas da idade média, pois são de dimensão considerável, e não são feitas para passar despercebidas. Talvez tenham uma outra função de caráter ritual ou iniciático (alterei um pouco o contraste e o brilho da foto para evidenciar a inscrição, que na foto original quase não se vê por haver pouca luz disponível no momento da captura) 

Um dos supostos abecedários secretos dos templários, utilizado para vários fins, entre os quais os que dizem respeito às transações e outras operações "bancárias" em que os templários foram especialistas, e em grande medida pioneiros (cortesia da guia da visita, a partir de um livro que creio chamar-se Codex Templi)



Misteriosa grafia de "PORTUGAL"

Voltamos ao aspeto curioso da lápide funerária de Gualdim Pais, ao qual fiz referência um pouco acima, e que tem a ver com o modo como está escrito, na mesma lápide, o nome de Portugal. Ora, se é verdade que os templários não faziam nada por acaso, então não devemos descartar a possibilidade de existir um significado oculto no modo peculiar como está escrito "Portugal" (em particular o "GAL") nesta lápide.

Mas vamos por partes. Em primeiro lugar, peço ao leitor que atente à grafia do A e o L em várias palavras da lápide entre as quais, por exemplo, a palavra "TOMARIS" (Tomar) (Fig. 2), "GVALDINUS" (Gualdim) (Fig. 3), ou "TEMPLI" (Templo) (Fig. 4), e outras (ver Fig. 1, vista geral da lápide).



Fig. 1 - Vista geral


Fig. 2 - "TOMARIS" (Tomar)

Fig. 3 - "GVAL" de "GVALDINUS" (Gualdim)

Fig. 4 - "TEMPLI" (Templo)


Temos, portanto, uma grafia do A e do L perfeitamente normal, utilizada recorrentemente ao longo da escrita da lápide. Agora, atente na palavra "PORTUGAL". O que vê? Olhe especialmente para a sílaba "GAL" (Fig. 5).



Fig. 5 - "GAL"


EUREKA! É isso mesmo! Apenas na palavra Portugal, em especial na sílaba "GAL", a grafia do A e do L é diferente: o A com traço médio quebrado em forma de "M", e o L com traço vertical atravessado por uma espécie de serpente, que em muito lembra o hieróglifo egípcio com valor fonético dj (figura abaixo)






Veja-se um exemplo retirado diretamente do Antigo Egipto, uma inscrição de um sarcófago (para todos efeitos, uma inscrição funerária, tal como a de Gualdim Pais), na terceira coluna, em baixo, o hieróglio dj (Fonte: Ancient History Encyclopedia Online, link http://www.ancient.eu/Egyptian_Hieroglyphs/)



Quanto ao A de traço médio quebrado em forma de "M", misteriosamente utilizado na sílaba "GAL", chamou-me a atenção o facto de ter grandes semelhanças com uma figura insculpida numa laje do chão da Charola do Convento de Cristo, que eu tinha visto e fotografado no dia anterior a esta segunda visita à Igreja (Figura 6, seguinte), e que facilmente pode ser confundida com uma simples assinatura de canteiro - e pode ser que não passe disso mesmo.



Fig. 6 - Ao centro, figura insculpida numa laje da Charola do Convento de Cristo, em forma de A com traço médio quebrado em forma de M, a mesma grafia do A em "GAL" na lápide funerária de Gualdim Pais, à exceção do circulo superior, que está ausente nesta.


Compare por si mesmo ambas as inscrições (imagem seguinte).




Creio que esta grafia especial do A e do L merece ser investigada, se é que é verdade que a simbólica templária não é casual. Podemos sempre especular e conjeturar, e dizer por exemplo que este A peculiar tem alguma relação com a simbólica do sagrado-feminino, sendo que o traço médio quebrado faz surgir um "M" na sua base, "M" de Maria. Assim, Portugal estaria desde a sua origem de alguma forma associado ao "sagrado-feminino", a "Maria", assuma ela a forma ou a simbólica que assumir. Daí estar diretamente inscrita no próprio nome "Portugal". Quanto à serpente no L, semelhante ao hieróglifo egípcio dj, quem sabe se não é uma referência à simbólica da serpente, de alguma forma associada ao conhecimento e à sua busca, conhecimento espiritual, sabedoria cósmica. Quem sabe? Ou talvez não seja nada disto, e o dj tenha apenas uma espécie de função-chave, que nos diz por exemplo em que direção se deve ler o texto - não sei se é correto cientificamente, mas li algures que o dj, dependendo do modo como está disposto, da esquerda para a direta, ou da direita para a esquerda (pois encontram-se ambas as disposições nos textos do Antigo Egipto), pode servir para indicar a direção em que o texto deve ser lido, se da esquerda para a direita, se da direita para a esquerda. Será mesmo assim?

Por fim, gostaria apenas de dizer que aquele que é considerado o selo ou signo de D. João II (Fig. 7), o Príncipe Perfeito, rei entre 1481 e 1495 (logo, quase 300 anos após a morte de Gualdim Pais, em 1195), ostenta também o A de traço quebrado, exatamente com a mesma peculiar grafia, facto que, tanto quanto pude investigar, é uma raridade noutros selos reais. Acho apenas curioso, não obstante seja bem possível que a explicação para esta aparente correlação de factos seja bem mais prosaica.  

Fig. 7 - Selo de D. João II


Sem dúvida, Santa Maria do Olival é uma preciosidade histórica do nosso país que merece ser preservada, e que parece ainda não ter revelado todos os seus segredos. 




_____________________


Igreja de São João Baptista



Templo de estilo gótico tardio, construído por ordem de D. Manuel I sobre anterior ermida da mesma evocação. Foi concluído no início do século XVI. A simbólica de D, Manuel (Brasão Real, Esfera Armilar e Cruz de Cristo) está presente na torre e repete-se no púlpito e nos portais Poente e Norte. No exterior destaca-se a Torre de três corpos, o Portal Principal, o Portal Norte e o Portal Sul, verosímil memória de um templo primitivo. A estrutura espacial das naves é idêntica à da igreja de Santa Maria do Olival, enriquecida pelo púlpito da pedra lavrada e pela pintura quinhentista, expoente máximo da arte pictórica portuguesa do século XVI.

Fonte: Site da Câmara Municipal de Tomar (link: http://www.cm-tomar.pt/index.php/pt/municipio/concelho/patrimonio#igreja-de-são-joão-baptista); ver mais informação em desdobrável Percurso Histórico (pdf). 



Portal gótico-manuelino com "alfiz" (al-ifriz em árabe), inovação arquitetónica de origem islâmica que consiste numa moldura retangular (ou de outro formato) onde se inscrevem um ou mais arcos concêntricos, normalmente utilizado em portais ou janelas.

A esfera armilar (na sua origem símbolo do Cosmos ptolomaico geocêntrico) sobrepujado pela cruz da Ordem de Cristo - armas de D. Manuel I, elementos mais do que recorrentes nos templos e monumentos de estilo manuelino, representantes da "vocação cósmica" de Portugal, isto é, na missão da qual o país (e, em particular, o próprio D. Manuel) se considerava investido de conquistar e evangelizar o mundo, constituindo um império universal, não apenas temporal, mas espiritual - precisamente sob o signo da cruz da Ordem de Cristo, elevado a símbolo nacional, ostentado desde o início das Descobertas nos pavilhões das velas das naus. De notar que, durante o reinado de D. Manuel (1469-1521), as naus portuguesas chegaram tão longe quanto os portos do China (!), e detinham o monopólio quase exclusivo do comércio no Oriente. Foi durante este reinado que Vasco da Gama chegou à Índia pela primeira vez, contornando África através do Cabo da Boa Esperança. 



A mesma simbólica das armas manuelinas, desta vez também com o escudo de Portugal - Torre da igreja, também designada por "Torre do relógio"


Uma curiosidade: os construtores da Igreja mantiveram este frontão visigótico, e integraram-no na Torre do Relógio, vestígio da época remota em que os visigodos se instalaram em Tomar, algures entre o sécs. VI e VII d.C (é inclusive dessa época que remonta a lenda de Santa Iria, a padroeira da cidade).

Logo à entrada da igreja, um "tabuleiro" da muito singular e única Festa dos Tabuleiros de Tomar, expressão etnográfica e religiosa especialíssima desta cidade, diretamente associada ao não menos singular e especial culto tipicamente português do Espírito Santo, que desde D. Dinis se pratica em Portugal. Este culto está ligado às chamadas festas do império, cuja tradição se mantêm ainda hoje muito viva sobretudo nos Açores, mas muito menos no Continente e na Madeira, onde entretanto desapareceram ou foram sendo assimiladas ou suprimidas pelo ritualismo católico mais ortodoxo. Não há dúvida de que o culto do Espírito Santo está de certa forma associado à Ordem de Cristo e aos Descobrimentos, posto que a missão evangelizadora do país resulta da crença de que Portugal havia sido investido nessa missão precisamente pelo Santo Espírito, numa espécie de pentecostes nacional, de forma análoga ao episódio das línguas de fogo dos Actos dos Apóstolos (Actos 2, V. 1 a 4).


Nave principal



Para ter uma ideia geral da principal informação a reter sobre a Igreja - Doc. informativo à entrada 


Alto relevo de esfera armilar em pia batismal


Numa outra face da mesma pia batismal, estranha figura de face humana. Lembra uma lua ou algo semelhante...


Última ceia, de Gregório Lopes (séc. XVI) - Um dos vários quadros que ocupam uma das naves laterais da igreja

Salomé apresenta a cabeça de S. João Baptista, do mesmo pintor


Não há como fugir. As armas de D. Manuel, símbolos nacionais por excelência, olham-nos sobranceiros a partir do teto, não deixando margem para dúvidas que na "religião nacional" também há espaço para a sacralidade e o culto dos símbolos da soberania, do poder e da nacionalidade - não fosse crença geral de que a própria Nação estava investida de uma missão sagrada, providencial! 


Cá está. Neste púlpito, a clara figuração de uma cruz da Ordem de Cristo...

...e na face seguinte o escudo nacional.


Noutra face, em primeiro plano, e em posição central, um estranho símbolo semelhante a um ovo, precisamente entre o escudo da Nação e a cruz de Cristo. Será um globo atravessado por um eixo central, em representação do planeta? Será um símbolo estritamente religioso? Não se parece com nada que tenha que ver com as armas manuelinas. O que será?

Coluna quadrupla


Base da mesma coluna, com uns estranhos frisos percorridos por triângulos na base e círculos sobrepostos, separados por barras horizontais...


Os capitéis têm sempre grande interesse, representando sempre motivos vegetais ou mitológicos, como algas, grifos, dragões, sereias, estranhas figuras humanóides, muito ao jeito do gótico, mesmo o tardio. 


Neste capitel, por exemplo, vê-se uma face humanóide com orelhas na cabeça, como uma espécie de duende, de cuja boca saiem, em ambas as direções, duas plantas de espécie igual, como se fosse a chave de ligação de ambas. Procura-se, no mesmo conjunto, harmonizar vários elementos diferentes, com o propósito de veicular um significado de carácter mito-religioso ou mesmo iniciático, ou quem sabe com uma função benéfica para o lugar, como uma espécie de conjunto talismânico. Não era algo que pudesse ser facilmente interpretado pelo homem comum, muitas vezes iletrado, daí o seu provável carácter iniciático ou talismânico, e não estritamente religioso, isto é, baseado numa iconografia estritamente católica e bíblica. 


Neste caso, um dragão - ou uma serpente alada - luta com um leão (?). Dois símbolos de considerável riqueza e intensidade simbólica. Luta entre o bem e o mal? Entre a serpente, símbolo bíblico do mal e de satanás, e o leão símbolo do leão de Judá, ou seja, David, ou mesmo Cristo (ver Apocalipse 5-5, “E disse-me um dos anciãos: Não chores; eis aqui o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, que venceu, para abrir o livro e desatar os seus sete selos.”)? Ou talvez de Marcos, o evangelista, tradicionalmente representado pelo leão, que neste sentido pode significar a luta do Verbo - ou seja, do Evangelho - contra as forças do mal. Num segundo nível de interpretação, e em termos mais "pagãos", a serpente pode simbolizar a sabedoria, a energia e a renovação espiritual; no caso do dragão, pode simbolizar o desconhecido e oculto. O leão pode significar a força, a luz, o rejuvenescimento, como pode significar as forças cegas da terra, telúricas, e portanto ao mal (ver http://www.dicionariodesimbolos.com.br/). Por conseguinte, a luta do dragão - ou serpente - pode ser um outro de tipo de luta do bem contra o mal, mas neste caso sendo a serpente representante do bem, da sabedoria e do conhecimento, contra o leão, representante das forças cegas, instintivas, do mal. Em qualquer caso, é um conjunto simbólico rico em significado.  


Por fim, vista da entrada da nave a partir do corredor central.


___________


Sinagoga de Tomar

A mais antiga de Portugal




A Sinagoga de Tomar é o único templo hebraico proto-renascença existente no nosso país. A planta quadrangular e a cobertura abobadada assente em colunas e mísulas incrustadas nas paredes denotam influências orientais. Foi construída no Séc. XV e encerrada em 1496, aquando da expulsão dos Judeus de Portugal, após o que foi convertida em prisão; no Séc. XVII é referenciada como Ermida de S. Bartolomeu; no Séc. XIX foi palheiro, celeiro, armazém de mercearias e arrecadação. Só o ano de 1921 lhe devolveria a possibilidade de reaver a dignidade perdida, quando foi classificada como Monumento Nacional Samuel Schwarz, judeu polaco investigador da Cultura Hebraica, salvou-a do estado caótico em que se encontrava, adquirindo-a em 1923 e doando-a, em 1939, ao Estado Português para o Museu Luso-Hebraico de Abraão Zacuto.(...)

Fonte: Site da Câmara Municipal de Tomar, onde pode ler o texto integral acerca da sinagoga e da antiga judiaria onde esta se integra (link: http://www.cm-tomar.pt/index.php/pt/visitar-2/sinagoga). Mais info. em desdobrável Percurso Histórico (pdf). 




Rua que fazia parte da antiga judiaria, onde se situa a sinagoga, atualmente Rua Dr. Joaquim Jacinto.

"É provável que existissem portas nas extremidades ocidental e oriental dessa rua, no cruzamento com as ruas dos Moinhos e Direita, respectivamente, as quais seriam fechadas durante a noite." (in Sinagoga e Judiaria, site Câmara de Tomar)


Poster explicativo logo à entrada


Altar de oração onde habitualmente o Rabino dirige o culto. À direita, de frente para o altar, as cadeiras onde os homens assistem ao culto; em frente, à direita do altar (centro da foto), as cadeiras onde se sentam as mulheres, por regra dispensadas de assistir ao culto e até de frequentar a sinagoga (info. prestada pela guia presente). 

O altar, como não podia deixar de ser, volta-se para a Tora, o livro sagrado do judaísmo (versão hebraica do Pentateuco ou Antigo Testamento, os primeiros cinco livros da Bíblia), que depois das várias destruições e reconstruções do Templo de Jerusalém, e de séculos de exílio e diáspora, assumiu o carácter de símbolo e depósito fundamental da fé judaica. A Tora está dentro do armário que se vê na parede em frente ao altar, oculta por um reposteiro púrpura, como se se tratasse efetivamente de um "Santo dos Santos" ao estilo do Templo original, o centro ou fulcro onde reside o espírito de YHVH (Deus), neste caso não entre as asas dos querubins da Arca da Aliança, mas na própria Palavra sagrada. 



Interessante pormenor: os quatro pilares centrais que simbolizam as quatro matriarcas de Israel. Sim, matriarcas, não patriarcas, que de acordo com a guia assumem uma importância tão grande ou superior à dos próprios patriarcas, pois é nelas e por elas que a Tradição se mantém viva e se transmite de geração em geração. São elas Sara (mulher de Abraão, mãe de Isaac), Rebeca (mulher de Isaac, mãe de Jacob), Léa (ou Lia, mulher de Jacob, mãe de Ruben e Levi) e Raquel (também mulher de Jacob, mãe de José). A toda a volta da Sinagoga existem doze capitéis, sendo que os dos cantos possuem de facto colunas, enquanto os das paredes não, e que sustentam os arcos que destas brotam. Estes doze capitéis simbolizam as doze tribos de Israel: Ruben, Judá, Gad, Aser, Neftali, Manassé, Simeão, Levi, Issacar, Zabulão, Benjamim, José. 

Poster com cronologia da Sinagoga e da presença judaica em Portugal. No que diz respeito à Sinagoga, as datas mais relevantes são as seguintes: 

> Algures no séc. XV - Construção da Sinagoga.
> 1496 - Encerrada no seguimento da expulsão dos judeus de Portugal, por decreto de D. Manuel I, e convertida em prisão.

> Séc. XVII - Aparece referenciada como tendo servido de ermida a S. Bartolomeu.
> Séc. XIX - Foi palheiro, celeiro, armazém de mercearias e arrecadação (!).
> 1923 - Adquirida por Samuel Schwarz, judeu polaco investigador da cultura hebraica.
> 1939 - Doada ao estado português por Samuel Schwarz para o Museu Luso-Hebraico Abraão Zacuto.


----

Próximamente
 Convento de Cristo